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Será mais fácil introduzir esta peculiar aventura no território da pintura esclarecendo o título e a presença dos elementos gráficos do cartaz. Cartaz que se quer autónomo e funcionando como mais uma peça desta exposição.
O design utilizado remete directamente para um poster executado para uma exposição de fotografia do russo Aleksandr Rodchenko em 1987, muito depois da sua morte. Na fotografia central encontramos um homem numa pose casual e decapitado pelo enquadramento, o seu nome é Frank Stella. Por fim, Anthony Mundiaga Ogaje é o nome de um concorrente do Survivor nigeriano que morreu por afogamento no decorrer deste programa.
Rodchenko e Stella são duas figuras paradigmáticas, ligadas a momentos de vanguarda distintos que marcaram efectivamente a concepção que temos das possibilidades da pintura. Se Rodchenko parece ter conseguido resolver os enigmas da pintura e da abstracção num único tríptico de cores puras em 1921 (o que à luz de hoje pode soar como um misto de presunção e ingenuidade), dispersando o seu trabalho noutros sentidos a partir daí; o percurso artístico de Stella parece fazer mais sentido se lido no sentido inverso, uma vez que o seu trabalho mais depurado diz respeito às suas primeiras séries, dos finais dos anos cinquenta até meados de sessenta.
O nigeriano parece descontextualizado no meio destes dois gigantes que, de várias formas, acabaram por modelar a pintura abstracta do século XX. Anthony Ogadje não só é uma vítima dos tempos modernos, como consegue fazer conviver paradoxalmente as condições de sobrevivente e de vítima mortal. Ao tempo da tragédia foram vários o media a publicar a notícia como a "morte do survivor nigeriano". A ligação entre este desventurado acontecimento (criador de uma personagem paradigmática do nosso tempo) e a pintura é obviamente metafórica e parte de uma análise à história da pintura desde a industrialização, um período onde é também evidente uma relação singular entre morte e sobrevivência, num jogo de expectativas e presciências que acaba por traduzir-se numa sofisticada forma de resistência.
Conjugando uma panóplia de referências históricas, autobiográficas e alguma ironia, esta "Homenagem a Anthony Mundiaga Ogadje" reflecte uma possibilidade para a prática e pensamento da pintura neste início de século.
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O comboio em movimento é uma das melhores metáforas da relação complexa que estabelecemos com o espaço e o tempo. Ele oferece-nos a possibilidade de escolher entre a imobilidade relativa e o movimento, se passamos pela paisagem ou se a deixamos passar por nós.
Durante as muitas viagens que faço entre o Porto e Santarém, o comboio alfa pendular cruza-se frequentemente com aquele em que circulo; o "encontro" entre os dois comboios acontece a alta velocidade e tem a duração de escassos segundos. Em muitos destes momentos, sinto que a paisagem é substituída pelas linhas horizontais do rápido trem que avança em sentido contrário e que todo o movimento deixa de existir. Dentro e fora da carruagem as linhas de cor solidificam-se e aparecem estáticas perante o meu olhar. Subitamente, encontro-me especado numa sala de exposições a observar uma das pinturas panorâmicas de Keneth Noland.
O subtítulo deste trabalho, No land, cita o nome do pintor americano e remete simultaneamente para um esquecimento da paisagem e de todo o contexto espacial. Um casual instante do quotidiano, com a duração de pouco mais de dois segundos parece congelar e, paradoxalmente, converter-se num momento de contemplação de pura pintura abstracta.
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Auto-retrato (Monocromia)
A abstracção inicia-se na história da pintura pretendendo a simplificação das formas representadas mas, posteriormente, conquista contornos de autonomia que libertam a pintura do peso da representação e da funcionalidade figurativa. Se tentar enquadrar a minha relação com a pintura dentro de algum modelo de abstracção, não são de modo algum as ideias de autonomia e perseguição de pureza que prevalecem. Tomando um caminho inverso, o meu trabalho alimenta-se do conceito de contaminação, possuo um imaginário de signos provenientes da pintura que contagia tudo à minha volta. Sempre mediando a minha experiência do mundo está a minha constante obsessão pelas mais variadas formas, autores e argumentos da história da pintura abstracta. Por exemplo, para mim uma linha, antes de ser horizontal ou vertical, é Noland ou Buren. É no contexto desta fixação que concebo o meu último Auto-retrato. Numa peça de inspiração "ofiliana", o meu corpo toma forma de uma pintura. O meu pólo favorito é transformado numa tela monocromática verde, pousada sobre os Reebok Classic que usei durante alguns anos.
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.Dentro do heterogéneo panorama artístico do século XXI, a tarefa de um professor de pintura tende a complicar-se, podendo até passar por antiquada ou obsoleta. Mas nos dias que correm, mais difícil do que ensinar pintura, é fazê-lo bem. Mais difícil ainda é ser-se "O Professor" de pintura.
Este "Professor" é para mim, sem margem para dúvidas Eduardo Batarda. Pelo que percebi (se bem o aprendi), o seu maior truque reside em não insistir em ensinar a pintar, mas no ensino da pintura.Incluir um retrato de Eduardo Batarda nesta exposição, no Museu das Belas Artes do Porto, tem simultaneamente, as intenções de homenagem pessoal e de "site specific". Perante tal responsabilidade as minhas naturais hesitações acabaram por ser resolvidas no formato que aqui apresento, de aspecto bastante simples. Uma pequena "shaped canvas" com uma rápida intervenção de aspecto inacabado, utilizando a cor "light portrait pink" da Liquitex, directamente do tubo. A utilização da cor directa, o formato da tela que foge ao rectangular e o jogo de subjectividade entre o momento de começar e finalizar uma obra, são três exemplos de acções que definem alguns dos paradigmas da pintura moderna que entendi concentrar nesta peça. No entanto, o principal objectivo que persigo neste trabalho é obviar a relação entre o "dentro" e "fora" da pintura. Neste caso particular a representação não acontece no interior da pintura mas definido pela totalidade do objecto-quadro, que representa o perfil de Eduardo Batarda. Aqui, o professor não habita o enquadramento da pintura, é a própria pintura dentro da Faculdade de Belas Artes do Porto.
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No land (Via Blues)
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Raios e No land (Via Blues) são instalados no espaço da exposição enquadrando uma peça central de carácter escultórico — Tenda de Sobrevivência (Homenagem a Anthony Mundiaga Ogajje). Procurando definir um contexto espacial, pelos três relâmpagos desenhados num hipotético céu e pela paisagem sugerida através de linhas horizontais paralelas, estas peças vivem a contradição de sublinharem uma condição de ausência. É com alguma ironia que faço aparecer algumas das obras mais conhecidas de Frank Stella e Keneth Noland sobre a escassa superfície destes elementos de madeira. Peças de uma estrutura que sempre se esconde atrás da pintura, cumprindo secretamente a sua função. Muitas destas ripas de madeira (ainda em bruto) preenchem também a "paisagem" do meu atelier, à espera do dia em lhes agrafo um pedaço de tela. Estas conseguiram chegar por si e sem tela às luzes da ribalta.
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Tenda de Sobrevivência (Homenagem a Anthony Mundiaga Ogadje)
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Tenda de Sobrevivência (Homenagem a Anthony Mundiaga Ogadje) faz parte de uma série de trabalhos que gosto de designar como "Monocromias" e, muito sinteticamente, são situações em o conceito pictórico de monocromia é desconstruído e repensado num amplo leque de possibilidades. Neste caso, uma pintura monocromática castanha chega à sala de exposição, é retirada da estrutura de madeira e montada como um pequena tenda de sobrevivência. Assim apresentada ao público, no final da exposição será novamente esticada (conservando inevitavelmente alguns vincos na superfície). Toda esta operação de transformação remete para a relação paradoxal entre a história da pintura e a monocromia, uma vez que, através dela, consegue encontrar num mesmo ponto a eminência de um fim (morte) e um absoluto grau de pureza.O homenageado no subtítulo do trabalho, Anthony Mundiaga Ogadje, foi concorrente do Survivor nigeriano que morreu por afogamento no decorrer deste programa. Anthony Ogadje não só é uma vítima dos tempos modernos, como consegue fazer conviver paradoxalmente as condições de sobrevivente e de vítima mortal. Ao tempo da tragédia foram vários o media a publicar a notícia como a "morte do survivor nigeriano". A ligação entre este desventurado acontecimento (criador de uma personagem paradigmática do nosso tempo) e a pintura é obviamente metafórica e parte de uma análise à história da pintura desde a industrialização, um período onde é também evidente uma relação singular entre morte e sobrevivência, num jogo de expectativas e presciências que acaba por traduzir-se numa sofisticada forma de resistência.
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6 comentários:
(textos do autor)
Obrigado Isabel!
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estás no meu top 5, pá! estes trabalhos estão muito bons. parabéns, ó marçalo
http://part-ilha.blogspot.com/
este artista so tem um defeito
E BENFIQUISTA
http://acloc-04-renatoferrao.blogspot.com/
passa a publicidadedededededed
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