26 março 2008

uma breve nota a partir de são francisco

adel abdessemed, don't trust me, 2008

a recém-inaugurada exposição do argelino radicado em paris adel abdessemed, patente nas walter & mcbean galleries do san francisco art institute sob comissariado de hou hanrou, que acumula a programação do espaço com a direcção dos exhibitions and public programs do instituto, foi hoje temporáriamente suspensa. 

a decisão foi tomada pela presidência do instituto na sequência de centenas de e-mails e telefonemas, alguns sob a forma de ameaça directa, que têm inundado a escola, também alimentados por uma reportagem de uma cadeia de televisão local (subsidiária, note-se, da fox news), que noticiou a exposição. 
pesou igualmente na decisão o facto de alguns elementos da própria escola, sobretudo professores, terem manifestado o seu desagrado relativo ao conteúdo dos trabalhos de abdessemed. 

o centro da polémica são uma série de 6 vídeos em que é filmada morte, através de um golpe de martelo administrado na cabeça, de seis animais: uma ovelha, um cavalo, uma vaca, um porco, uma cabra e um veado (que ainda por cima, parece o 'bambi'). através deste animais - todos eles, note-se, consumivéis; os vídeos terão sido feitos num local de abate - são invocados, entre outros, conceitos como inocência ou morte, cujas relações maniqueístas aparecem tão evidentes no caso americano, da região californiana e mais ainda na área da baía de s. francisco. 

o efeito dos vídeos, com a acção a ser repoduzida em 'loops' de curta duração, é absolutamente poderoso na forma como produz um choque imediato no espectador; ninguém é incólume a estas imagens, garanto. mas enquanto problematização daquilo que é invocado (o desafio dos parâmetros sociais, culturais, religiosos, a crença na revolução do indivíduo e do colectivo, o transcender desse ideal numa gestação de novos referentes, afrontando pressupostos estabelecidos), parece mais difícil de engolir; torna-se improvável encontrar aqui pouco mais do que a gestão de uma fórmula razoávelmente rentável de fazer 'arte política', de espírito rebelde e inconformado. 

adel abdessemed, don't trust me, 2008

depois desta decisão de suspender a mostra, segue-se uma discussão aberta na aula magna do instituto, a decorrer na próxima segunda-feira, entre o comissário hanrou, o reitor do instituto e também comissário okwui enwezor, e os professores john rapko e tony labat; como estudei com os três últimos, posso adivinhar um confronto energético mas inteligente entre propostas de investigação estética e sua utilização bem diferentes, certamente a não perder. uma espécie de duelo de 'western', com palavras e ideias afiadas. quanto à polémica, estou certo que o artista e o galerista nova-iorquino david zwirner agradecem.

passengers 1.7: joão maria gusmão e pedro paiva

no outro lado da cidade, dentro da exposição 'passengers', comissariada por jens hoffmann no 'seu' wattis institute, (também ele parte de uma instituição de ensino, o california college of arts... nota breve: acho que devem ser os dois únicos casos no mundo de instituições de ensino com espaços expositivos programados por nomes como hanrou ou hoffmann - goste-se ou não do trabalho que tem vindo a desenvolver, ele tem ocupado o seu espaço, que não é pouco nem dá sinais de desacelerar), termina já no próximo sábado o período em que o foco de atenção foi dado aos trabalhos em filme da dupla pedro paiva e joão maria gusmão. sou fã do trabalho e por isso parcial; mas esta não deixa de ser uma grande oportunidade para constatar porque é tão clara a atenção que os artistas têm despertado um pouco por toda a parte (inclusivamente em comissários com a duvidosa 'star quality' que hoffmann tão bem sabe vestir), sem espalhafatos e com créditos servidos pelos próprios projectos desenvolvidos... 

11 comentários:

Anónimo disse...

mas o abdessemed não vai ao debate...

Manuel Santos Maia disse...

Pois, pois ...
Polémicas, mais polémicas, as polémicas, sempre as mesmas polémicas
no mundo da arte as controvérsias, estas controvérsias são antigas
quanta indignação, repulsa, fúria e irritação não causaram muitas das imagens que agora se apresentam inquestionáveis aos nossos olhos
quantos filhos mortos, quanta barbárie entre os homens, e quantos os animais sacrificados
o Artista sempre os representou
as imagens, estas imagens ainda colocam os envolvidos em discussões, e debates em jogos
A moral que fazem questão de ter em alguns momentos
e que é esquecida em muitos outros

Anónimo disse...

Come-se mas não se quer ver!- sim sou dessa geração .
Em criança ia vendo as matanças dos animais domésticos, pelo ritual e pela curiosidade, depois fui desenvolvendo uma espécie de secura perante o acto de matar o alimento. Mas nunca deixei de o comer excepto quando vi a morte de um animal mal feita (não morreu ao 1º acto mortífero, recusei-me a comer.
Para quem mata é muito importante saber matar o animal à primeira golpada. Cada animal tem o seu modo/ técnica de morrer: rápida e eficiente, para ambos não sofrerem ( o que mata e o que morre)pela dor e tristeza ( sim há emoção). E também se a morte é feita profissionalmente a carne é mais saborosa.
Ainda hoje como carne caseira, mas continuo a não querer...matar.Nunca matei. É um dilema.

Se alguns dos conferencistas forem vegetariano e outros carníveros vai ser uma luta de forças.

Carla

Anónimo disse...

E na conferência vai ser acompanhada com um leitãozinho com uma maçã na boca?
Eu faço questão de ir à Bairrada comprar um e enviar p´ra ai. A maçã é colocada aí, visto que há mais agricultura biológica.

( Peço desculpa a ironia, Isa e Nuno, mas não pude evitar )

beijos da "carnívora"

Anónimo disse...

NHACK! NHACK!

nuno disse...

nham! nham!
ontem encontrei o hou hanrou, disse-me que ia ao debate de segunda-feira com casaco de peles... mas a coisa pode ser séria, por causa do financimaneto público que a escola recebe, pode ser obrigada a tomar uma posição pública, por exemplo, afastar o hanrou.

Anónimo disse...

..parece quase um julgamento... caso ele considerar-se culpado. Fica na escola? Para já é inocente até que se prove o contrário...; )
Ele esperava por isto?
E o artista?
Vai dando notícias sobre o caso.
bjs

nuno disse...

The message below is sent by President Chris Bratton:

I’m writing to inform you that because of a series of violent threats by animal-rights extremists, SFAI is officially announcing today that the public discussion on Adel Abdessemed’s exhibition Don’t Trust Me, scheduled for Monday, March 31, is cancelled. For the same reasons, the exhibition itself, which was temporarily suspended on Wednesday, March 26, is now permanently closed. My first concern as SFAI’s president is with the safety and security of our students, faculty, staff, their families, and members of the public that regularly visit the campus.

Soon after it opened, the Abdessemed exhibition became the subject of an orchestrated campaign by a number of animal-rights groups, including Animal Liberation Front (ALF), In Defense of Animals (IDA), and People for the Ethical Treatment of Animals (PETA). One result of this campaign was a parallel onslaught of explicit death threats and threats of sexual assault—as well as racial, religious, and homophobic slurs—against SFAI staff members and their families. The swift escalation from controversy to credible threats has regrettably forced us to make a decision unprecedented in our 137-year history.

Though we’ve decided to take this action for reasons of safety and security, SFAI stands adamantly behind the exhibition as an instance of a long-standing and serious commitment to reflection on, and free and open discussion of, contemporary global art and culture. Our conviction that it’s a fundamental responsibility of our educational mission to encourage and promote such dialogue remains unwavering.

Furthermore, I want the following facts to be made explicit. In the making of his videos, Abdessemed participated in an already-existing circuit of food production in a rural community in Mexico. The animals were raised for food, purchased, and professionally slaughtered. In fact, the central point of the controversy is that Abdessemed, an artist, entered this exchange, filmed it, and exhibited it.

Here, then, is a case where highly local assumptions about how things are produced have come to inform how the world itself is seen. In general, consumption in the US is fueled by things produced out of sight and from far away. In many cultures, particularly those of the global south including Mexico, the killing of animals for food is often direct and present, not concealed from sight, as is the case of industrialized food production here. This distinction is certainly relevant to the exhibition Don’t Trust Me. Admittedly, this is an uncomfortable confrontation for some, but is nevertheless a real condition not only for animals, but also for the people whose lives are bound up with them.

Simply stated, it is an outrage that threats of violence have derailed a public debate on issues that are critical to our everyday lives. We believe nevertheless it is imperative that discussion of the many complicated issues raised both by the Abdessemed exhibition itself and by the unprincipled campaign against it should continue, not only within the school but throughout the wider world.

Chris Bratton, President

isabel ribeiro disse...

e viva a democracia

rsrrrsssssrsrss...

PdR disse...

Aqui nos EUA existe muito esta situacao do "politicamente correcto", que cria uma serie de situacoes hipocritas, como esta.
Tambem existe uma certa desresponsabilizacao em relacao 'as opcoes.
Se o trabalho foi escolhido para a exposicao, isso significa que o board do espaco em questao aprovou a exposicao.
Claro que no momento do confronto com o publico, descarta-se dessa responsabilidade e poe o problema todo no comissario e no artista.
Como em todo o lado, as pessoas agarram-se aos lugares e aos beneficios que tem e em virtude disso, deixam de ter principios - ou tem apenas os principios da sua estabilidade economica.
Ao menos em Portugal seria mais simples, pois o facto de ter "boas ligacoes" normalmente adormece as opinioes e a critica.
Talvez este artista pudesse ter uma grande retrospectiva num museu "perto de si". Mas talvez tambem este acontecimento o tornasse num "artista-non-grato".
"Se os outros dizem que nao e' bom, entao nos tambem dizemos o mesmo", 'a boa maneira da Vida Periferica.

Anónimo disse...

Olha que por aqui anda-se a viver o período das petições....
Carlota