13 junho 2006

lamentável


É lamentável. É lamentável que alguém possa escrever, com o poder que lhe é conferido ao redigir e expor um texto, sem o menor conhecimento sobre o que aspira inscrever, limitando-se a uma percepção subjectiva e, por conseguinte, destorcida da realidade artística, dos artistas, e em especial de dois espaços alternativos ao sistema comercial e institucional geridos por artistas nomeadamente O Projecto Apêndice e a Sala. No texto “a informalidade como alternativa” publicado na edição on line da ARTECAPITAL (www.artecapital.net) o aspirante a comentador crítico de arte contemporânea, com a sua inexperiência insinua displicentemente (sem referir nomes, datas, lugares) a existência de relações duvidosas, oportunistas entre artistas e os vários agentes do sistema artístico, as instituições e espaços privados comerciais que sustentam o mercado da arte designadas por galerias de arte.

Neste texto José Roseira exclui-se de uma realidade da qual participou e participa como criador (da área do vídeo), como membro de um projecto alternativo (CLAP – Clube de Arte do Porto - com sede em sua casa), como comentador de mostras de amigos que apresentam e ou gerem alguns dos espaços independentes do Porto, (uns referidos, outros omitidos – com que intenção ou objectivo?). Enfim, uma geração à qual pertence, motivo pelo qual a estranheza é maior.

A indignação aumenta se tentarmos perceber como é possível que um aspirante a comentador crítico possa opinar, afirmar e ainda chegar a conclusões tão pouco rigorosas acerca de espaços dos quais desconhece a sua dinâmica, o seu público, sem ter previamente realizado um estudo ou requerido algumas informações junto dos programadores. Poderá um comentário crítico com pretensão à produção de conhecimento, ou apenas informação de uma realidade, ser construído com pareceres subjectivos, parciais opiniões dentro de lógicas imediatas e pouco reflectidas? É estranho ainda, a falta de interesse de José Roseira quanto aos projectos apresentados em O Projecto Apêndice e em a Sala, só compreensível porque chegando atrasado à projecção do trabalho Obrigado pela conversa de Carla Filipe cuja duração rondava os 60 minutos, apenas dispensou 5 ou 10 minutos, no espaço a Sala. Este facto, testemunhado pelo público presente, é revelador do profissionalismo e da atitude de José Roseira perante a criação artística contemporânea.

Pelo exposto questiono-me: poderá José Roseira comentar e informar acerca dos públicos destes dois espaços que desconhece? Espaços estes, que por terem apenas dois e três meses de actividade, os seus públicos se encontram em formação.

Mais informo que Roseira não teve tempo para observar e contactar com o público do projecto do qual sou co-programadora (a Sala) pois facilmente constataria que estavam presentes públicos de outras áreas artísticas para além das artes plásticas como por exemplo, do teatro, da dança, da música, arquitectura, cinema, e outras áreas que não a artística. Este facto é contrário à afirmação e à descrição que faz dos públicos como sendo restritos. Mas se seguisse-mos a sua lógica de leitura facilitista, constataríamos que um projecto que tem como objectivo apresentar artes performativas com criadores de várias áreas da criação (artes plásticas, teatro, dança, música, vídeo, entre outras) tem também como objectivo alargar o seu público a diferentes áreas diversificadas. Quanto a públicos, mais informo que da parte dos programadores nunca houve o interesse em restringir ou como no seu texto está subentendido, excluir ninguém, mas pelo contrário, a inclusão e participação do público é um dos objectivos do projecto como também o de muitas das propostas criativas que aí foram e serão apresentadas.

O desconhecimento da Arte Contemporânea, do seu sistema, dos seus agentes e das relações que estes estabelecem entre si, apresentam-se a Roseira como fantasmagorias que lhe alimentam fantasias, irrealidades sobre a realidade artística contemporânea portuguesa e em especial a realidade dos jovens artistas portuenses.

Ao longo do texto José Roseira levanta suspeitas e alimenta desconfianças. Ao associar o ano de abertura do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves, a concentração das Galerias portuenses na Rua Miguel Bombarda com o surgimento dos espaços alternativos ao sistema comercial e institucional; o que pretenderá concretamente dizer?

Mas não dando por terminado esta reflexão e concretizando um pouco mais, (algo que não o faz no seu texto) se tudo se resumisse há existência do mercado de arte (galerias) e às instituições (Museu de Serralves), não estaria a actuação dos jovens artistas prestes a sair ou recentemente saídos do ensino artístico, mais limitado, mais dependentes do mercado e das instituições, como no passado acontecera? Não será esta dinâmica alternativa ao mercado e às instituições vital num momento inicial de construção de um corpo de trabalho dos jovens criadores? E a falta desta não deverá ser encarada como uma falha no sistema artístico nacional?

Informo-o que como criadora que sou, e pertencendo eu a um grupo informal de artistas que têm construído o seu percurso e o seu corpo de trabalho (nos últimos oito anos) tivemos a necessidade de criar e colaborar com espaços como por exemplo Caldeira 213, PÊSSEGOpráSEMANA, Ateliers Mentol, Artmosferas, Maus Hábitos e os posteriores Salão Olímpico (e não apenas Olímpico), O Senhorio, etc e ainda participar nos múltiplos eventos que estes e outras espaços ou grupos promoveram. Todos estes momentos permitiram-nos aprender, experimentar, apresentar e discutir ideias que seria praticamente inexistente se tais estruturas alternativas não existissem.

Quando ao longo do breve texto, num tom mal intencionado, José Roseira refere a dinâmica de alunos da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, informo-o que esta não foi, não é uma realidade generalizada no referido estabelecimento de ensino, mas ela é sim circunscrita a pequenos grupos informais que ao longo dos últimos anos têm terminado a sua formação e antes de a terminarem conhecem a fragilidade do sistema artístico nacional e a pequenez do meio artístico em que estão inseridos. Como é facilmente compreensível este enquadramento sombrio resulta numa acção catalizadora que se traduz em atitudes construtivas e edificantes de uma realidade possível de ser construída por estudantes e jovens artistas.
Informo-o que para ter consciência desta realidade deverá fazer um estudo mais aprofundado dos vários espaços, grupos, acções e eventos ocorridos no Porto desde 1998.

Refutando a sua visão destorcida da actividade destes artistas, dos referidos espaços, relembro a acção dos projectos inter+disciplinar+idades ou pontos de contacto. O primeiro surgido ainda no seio da Faculdade de Belas Artes, permitiu aos alunos de Belas Artes uma aproximação com os artistas emergentes no panorama artístico nacional e a aproximação com as diferentes realidades artísticas para além dos grandes centros como eram Lisboa e Porto. Desde então, o nosso trabalho não se reduz ao contexto artístico portuense subsidiário de um museu, e infelizmente, nem as nossas linguagens são de todo aceites pelo mercado, como afirma. Para que melhor compreenda e conheça a realidade do mercado e das criações apresentadas neste circuito, e para que melhor entenda o que é uma programação alternativa ao mercado, tente responder a esta breve e simples questão: Quais são os espaços comerciais e com que regularidade apresentam criações performativas, instalações sonoras, vídeo, publicações de artistas, criações digitais, murais, site-specific para citar só algumas?
A resposta a esta questão requererá da sua parte um estudo, uma outra atitude diferente da que teve na concepção do seu texto.

Antes de ter redigido o seu texto José Roseira deveria ter conhecido o meio artístico em que se insere toda a discussão, deveria conhecer e saber como é que os artistas (sobre os quais levanta suspeitas) têm vindo a trabalhar. Também deveria saber que cada exposição acontece, quase sempre pelos nossos próprios meios (especificando: trabalhos, flyers, divulgação e por vezes os próprios espaços expositivos como é o caso de O Projecto Apêndice).
Ao contrário do que faz não será de louvar um tal empenhamento? Sim, porque queremos mostrar, queremos fazer, queremos continuar; queremos continuar a mostrar o nosso trabalho como pudermos, como quisermos.

Na perspectiva de José Roseira as relações que os espaços de exibição de obras de arte (Museu de Arte Contemporânea, galerias ou os espaços alternativos) estabelecem entre si são suspeitas, subentendendo-se do seu texto que tais relações não deverão existir. Informo-o novamente que na minha opinião essa é uma falsa questão. Nós quisemos e fomentámos essa aproximação, porque ela é uma mais valia, pois em termos criativos permite-nos um confronto com o outro, o contacto com outras perspectivas outros pontos de vista, enriquece-nos enquanto criadores. Numa realidade artística como é a portuguesa, facilmente compreende que é uma mais valia discutir e implicar os mais variados artistas, programadores, ou outros agentes do sistema para que haja maior dinâmica e para que possam crescer diferentes concepções, criações e visões.
Longe da suposta “sedução” que diz existir, existe sim, uma abertura. Ao contrário do que afirmam as suas destrutivas palavras, no Salão Olímpico existiram possibilidades de mostra de criações de artistas que não encontram tantos espaços para mostrar o seu trabalho se atendermos ao ritmo da necessidade da sua criação. O reconhecimento da importância que teve o Salão Olímpico no seio da comunidade artística foi muito reduzida se conhecermos as obras que aí foram apresentadas, o número de artistas que aí puderam trabalhar e partilhar a sua obra, se conhecermos a heterogeneidade de públicos que a esse espaço confluíam. Mais uma vez se tivesse feito o estudo quanto ao Salão Olímpico certamente iria verificar que este, ao contrário do que afirma, não teve o reconhecimento por parte dos comentadores críticos e demais agentes. Infelizmente e ao contrário do que deveria ter acontecido o caso do Museu de Serralves foi algo pontual. Se este não o tivesse feito não seria questionável? Não deveríamos assinalar essa falha? Se em vez de olhar a sombra (de que parece ter medo) e olhar o corpo, não conhecerá melhor a realidade?
Creio que num texto com ambições de dar conta de uma realidade artística de oito anos, lhe deverá ser exigido um conhecimento mais aprofundado. Mas se quiser esconder esta lacuna atrás de um texto cujo objectivo é o de emitir uma opinião, não deixa de ser lamentável que o faça sem o rigor que é exigido numa profissão como a de comentador crítico. Será possível ter uma atitude intelectualmente desonesta como a que teve na redacção do texto ao levantar suspeitas, criar abstracções e ficções que estão longe da realidade que vivemos?

Susana Chiocca
Membro de a Sala



Pos-scriptum

Creio que este meu comentário exige uma resposta e, como tal uma revisão do que José Roseira escreveu. Como tal, coloco as últimas questões:

Porque não se referem exemplos concretos, em vez de apenas alusões?
Porque não se especifica quais os artistas que são pagos, e quais ligações que se têm estabelecido entre o museu e os artistas?

Como define e quais os parâmetros de aceitação do mercado relativamente às nossas criações? Precise os artistas e as galerias?

De que forma é que a programação das instituições definidas pelos seus decisores institucionais implicam a programação de a Sala e de O Projecto Apêndice?

Esclareço-o que o público de a Sala em geral, foi mais curioso que José Roseira, em informar-se junto dos programadores do referido projecto sobre os objectivos e programação. Se José Roseira tivesse feito o mesmo certamente saberia que os dois projectos foram concebidos na mesma altura, e que a sua programação não é comum - O Projecto Apêndice não tem como “dominância” a apresentação de trabalhos performativos.


1 comentário:

Teixeira Barbosa disse...

O que é ainda mais fantástico é que a Extéril, fundada em 1999, é permanentemente excluída nas referências aos espaços alternativos ou independentes que surgiram no Porto. Devo depreender que a extéril é o espaço mais marginal que qualquer outro. Obrigado.