13 junho 2006

Moralina (*)

Desconfio de quem quer traçar um fio vermelho sempre demasiado evidente na sua tradução. Traz o preconceito de induzir um proveito sempre na ponta. Mais do que isso, sente possuir uma lúcidez de um método funcional para o movimento: assim se desloca por aparente interesse. No texto “A informalidade como alternativa” de José Roseira (07.06.2006 www.artecapital.net) Existe numa dedução, e digo dedução porque é exactamente uma falta de conhecimento e preguiça no seu procurar, que o leva a apoiar todo o texto numa geografia dedutiva. São acusações graves e outras muito graves que não podem permanecer suspensas pelo seu carácter de enorme aberração que constituem. Até pela facilidade que lhe é prestado qualquer esclarecimento, não se percebe a vontade de desinformar o público da artecapital com estes atabalhoamentos especulativos.

Numa lógica que pretende identificar o surgimento de espaços expositivos que se criaram recentemente no Porto (a Sala) e (O Apêndice); José Roseira acha que estes espaços se adequam à simples - “montra de publicitação de novos nomes e trabalhos”. Adianta ainda que os dinamizadores desses espaços “têm já uma relação com o mercado e as suas criações jogam com as linguagens aceites por este” e que “espaços como a Caldeira 213, o Olímpico e o PÊSSEGOpráSEMANA, dada a sua informalidade e descomprometimento institucional, acabaram por servir como laboratório e ponto de encontro e discussão para uma geração de artistas que agora emerge no mercado”. É necessário repôr alguma sobriedade. Começando pela última afirmação, os espaços referidos não se deram ao utilitarismo do encontro e da discussão, antes, criaram o encontro e a discussão. Eles foram sim, e ainda o é no caso do PÊSSEGOpráSEMANA, espaços de experimentação. Porque estes não existiam e continuam escassos. E dizer isto, não é de forma alguma um lugar comum como José Roseira afirma no seu texto. Para exemplificar, basta referir alguns acontecimentos como a palestra organizada por José Maia no Salão Olímpico com o tema Conversas de Café em 08.04.2004; ou trabalhos como Xoxota Bombísta de João Sousa Cardoso apresentado por António Preto (02.07.2003); o ciclo de cinema de Jean Ralske integrada na segunda edição do Quartel - Arte Trabalho e Revolução (11.06.2004); o projecto The End of a Love Affair de João Fiadeiro, Pedro Costa e Gustavo Sumpta (10.05.2004). Todos estes projectos primaram pela criação de um momento para a discussão entre os respectivos autores e público de diversas áreas, bem como das condições de criação nacional.

Sobre as outras duas especulações, é verdade que alguns dos dinamizadores destes novos espaços têm um vínculo galerístico, mas não quero crêr que com isso insinue haver uma maior legitimação ou uma espécie de nobreza se não o tivessem. Até porque, estes artistas nunca se inibiram de expôr a sua obra e quando José Roseira refere a aceitação pelo mercado, seria interessante que esse mercado fosse explicado no seu verdadeiro ciclo e profundidade. O que entende por aceitação? Expôr os seus trabalhos?, vender?, existe procura dos trabalhos destes artistas?, estes artistas vendem e subsistem com o seu trabalho? Sabemos que não é assim que as coisas acontecem, as galerias como agentes intermediários que são, oferecem pouco e para os artistas visados no texto de Roseira uma exposição de dois em dois anos, na melhor das hipóteses, continua a ser manifestamente pouco, até porque só querem fazer arte, e viver disso; o que é de todo legitimo. E mais uma vez optaram por criar soluções, não por um propósito de animação cultural como é referido mas porque de facto, não se inibem de lutar contra um tempo – o seu tempo. Aqui e agora!... Em vez de uma laboração com apresentações bianuais. Pelo exposto entende-se uma urgência, o que também não é um lugar comum, como está escrito pelo desinformado comentador José Roseira.

Mas tudo o que tentei esclarecer até agora, dizia respeito acerca das deduções graves por parte de José Roseira. Muito mais grave é afirmar o seguinte: “Confiamos não errar se dissermos que estes projectos começaram a nascer na cidade do Porto com a promessa de Serralves e a abertura das galerias na Rua Miguel Bombarda” Quando li esta afirmação fiquei confuso, quer pelo uso do plural quer pela certeza do autor não estar a errar, visto estar num processo de dedução (ou como se diz no Porto: bitaites). E aqui, não sem um pequeno exercício de imaginação, pensei num ditador a citar um filósofo da Grécia antiga. Foi assim que ultrapassei este obstáculo inicial, retendo-me apenas, na gravidade da afirmação, o que também é uma contradição, quando no início do texto afirma, que os dinamizadores destes novos espaços “têm já uma relação com o mercado e as suas criações jogam com as linguagens aceites por este”. Nesta afirmação José Roseira nem se deu ao trabalho (algo tão simples), de questionar se os artistas já estão representados por galerias, porque continuam a fazer o que fazem?

Como avalia José Roseira, os artistas que tendo já representantes no mercado, continuam a criar mecanismos de exibição do seu trabalho? Ou ainda, aqueles que não se importam de mostrá-lo em condições frágeis como cafés, montras, salas ou arrecadações? Como avalia também o esforço que estes fazem na divulgação própria, com flyer’s, cartazes, correio electrônico, e tudo o que uma situação económica de poucos recursos permite?

Como José Roseira não se informou juntos a estes dinamizadores, tem uma certeza por confiança, de se tratar de uma estratégia para entrar em galerias e da existência de uma “ promessa” do Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Estando especulada esta situação, o que acontecerá se um dia um deste artistas realmente vier a apresentar o seu trabalho no Museu de arte contemporânea de Serralves? Será que José Roseira rebentará de vaidade na sua previsão?

Quanto aos dois últimos parágrafos do texto de José Roseira, e que me afecta particularmente como membro fundador do Salão Olímpico, neles existe toda uma insinuação que recai sobre uma suposta retrospectiva do Salão Olímpico, num suposto movimento de sedução modelador de uma geração. Daqui, é exigida a José Roseira toda a responsbilidade na informação falaz que presta. E questiono-me sobre se tal falta de rigor, contribui para algo mais do que uma intenção trepadeira.

Grave e de mau gosto, é o facto de José Roseira utilizar a frágil situação económica dos artistas, tendo estes que trabalhar como vigilantes, recepcionistas, assistentes de montagens ou guias pertencentes ao serviço educativo do Museu de Serralves, para assim, constituírem o seu rendimento. Como poderão estes dinamizadores estarem sujeitos a um metralhar de José Roseira, que nitidamente quer fazer recair suspeitas de estratégias e de competições, em relações que se estabeleceram na presença e no valor de inúmeras acções.

Rui Ribeiro
Membro fundador do Salão Olímpico



(*) “Segundo Nietzsche a «moralina» é uma secreção frequente naqueles que têm a certeza de denegar a verdade e que não tem qualquer escrúpulo em impô-la a todos. Sentido etimológico: o de um pensamento desviante e curiosamente totalitário.”

Op. Cit Michel Maffesoli

1 comentário:

Teixeira Barbosa disse...

O que é ainda mais fantástico é que a Extéril, fundada em 1999, é permanentemente excluída nas referências aos espaços alternativos ou independentes que surgiram no Porto. Devo depreender que a extéril é o espaço mais marginal que qualquer outro. Obrigado