18 maio 2006

obrigado pela conversa, de carla filipe

já assistimos num qualquer reality show às palavras sentenciadas em directo, ou não, num "confessionário". é um dispositivo semelhante que a carla filipe convoca no projecto obrigado pela conversa. durante uma hora, frente a uma câmara, a artista fala para alguém que adivinhamos presente mas não vemos – afinal, somos nós o interlocutor privilegiado – sobre um assunto que, em última instância, nos vai dizer directamente respeito... o espaço da acção é uma sala ou um quarto, onde se vê uma porta aberta como único ponto de fuga.

não há aqui engodo algum: ao longo da duração da peça, sente-se que a artista não se abstrai totalmente da câmara, nem seria essa a sua intenção. na conversa informal que se seguiu à primeira exibição deste trabalho, alguém sugeria que ali havia necessariamente uma encenação, uma presença menos “natural” com gestos calculados. mas ainda hoje é altamente improvável que qualquer pessoa se comporte como se nada se passasse de estranho em frente a uma câmara. este trabalho não é sobre alguém "apanhado" por uma câmara de filmar. paradoxalmente, é no dia-a-dia (mais ou menos alheado das câmaras) que ocorrem as situações onde se espelha uma assimilação comportamental generalizada de tiques e parâmetros mediáticos.

reforçando uma propriedade de artifício, que passa pela apresentação de uma personagem e não apenas uma pessoa, o plano da imagem que nos é dada a ver remete para a situação física do intérprete/plateia, própria do imaginário do espaço cénico – ou seja, para o campo da representação.


por afinidade, vem à memória a peça escrita por jean cocteau, a voz humana: uma conversa telefónica entre um homem e uma mulher, amantes, sendo que aos espectadores só é dado a conhecer o ‘monólogo’da personagem feminina.

aqui também é uma mulher que está em discurso directo, quem sabe se no mesmo contexto: o vestido vermelho usado pela artista talvez não tenha sido escolhido ao acaso. com a diferença fundamental de que não há som para nos alimentar a curiosidade. não há som, mas obviamente há linguagem.

as histórias que a carla tem apresentado regularmente no seu trabalho prendem-se também com a condição feminina, que é a sua. são obras que remetem para a sua experiência pessoal de forma mais ou menos velada, igualmente habitadas por personagens verídicas. os impressionantes desenhos intrincados que compõem parte da sua produção artística sublinham – literalmente – a realidade de leitura de uma obra de arte e a possibilidade de explorar o nosso voyeurismo de espectador: são trabalhos onde se cruza o excesso da palavra com a sua condição primordial de desenho; onde a limpeza lógica não é bem-vinda e se avança aos solavancos.

neste trabalho, essa palavra (aqui, verbalizada) foi fisicamente suprimida mas permanece como a peça essencial que provoca o imaginário do espectador. continua igualmente a ser explorada a questão da auto-representação – e aqui peço a quem ler este texto que faça uma pausa para efectivamente reflectir sobre essa expressão. parece-me mesmo que é disso que neste projecto se trata: ‘represento (isto) para mim, represento (aquilo) para os outros, o meu trabalho representa isto para mim, isto é o que o meu trabalho representa para os outros’. como sabemos, as próprias palavras podem ser saborosas, mas não são muito mais do que representações.


por isso, faz sempre parte do processo de comunicação verbal seleccionarmos mais ou menos cuidadosamente as palavras que dirigimos aos outros. numa conversa, a situação mais simples, imaginamos duas pessoas a trocarem ideias. a certa altura, uma delas defende de forma mais acesa a sua opinião a respeito de um qualquer assunto. a troca dá lugar ao jogo ou, em última análise, a uma batalha: o objectivo é subjugar o outro com mais ou menos estratégia e subtileza, com maior ou menor prazer para ambas as partes. o cliché sobre o amor e a guerra e como aí vale tudo tem uma nitidez extraordinária se o pensarmos aplicado a uma qualquer conversa, e possivelmente, aquilo que a artista nos propõe é uma espécie de diálogo.


para quem assiste a este vídeo há sempre o direito de assumir um lugar activo. somos impelidos com naturalidade para o acto violento que é precisamente tentar cobrir o discurso com as palavras que lá não encontramos. esse acto denota alguma frustração perante a ausência de produção de um significado, que legitimamente se espera resultante de um acto de comunicação; por aí também emerge a nossa vontade primária de sobrepormos o nosso discurso ao do outro.

eliminar voluntariamente o som da fala, como acontece neste projecto, não será por si só uma renúncia a essa matéria, mas é uma pedra de toque eficaz: por exemplo, levou-me a pensar no que em última instância conduz alguém a um fazer voto de silêncio, ou no efeito que socialmente alguém produz ao falar pouco, voluntária ou involuntariamente, ou nos sinais de conforto e desconforto de algumas conversas. enfim, não são necessariamente pontos de referência válidos para muitos, mas para mim são questões da ordem do banal – tão badalada nestes dias – em torno das quais não se encontra muita produção.

no mundo que reconhecemos saturado também pelos sons, recusamo-nos a permitir que o silêncio seja de ouro, de facto. o silêncio atrapalha-nos, não é matéria do campo social, e no plano da intimidade é objecto de estranheza. é uma espécie de mal necessário.

sobram-nos os gestos, e sobre eles não se pode dizer que sejam todos representações de algo. ao longo de uma hora de obrigado pela conversa podemos presenciar vários movimentos económicos, que não tem nada a ver com caprichos de espontaneidade ou vontade. são coisas que é preciso fazer segundo um cálculo mínimo biológico, de sobrevivência. respirar, parar de falar, olhar para o lado, a fragilidade ou irritação transparentes são elementos que se misturam de forma fluída com pausas dramáticas, o cabelo mexido compulsivamente, mais um cigarro fumado, o virar de costas e o desaparecer de “cena”.

parece-me certo que nesta performance o comunicável é conduzido através da oralidade (tornada ineficaz) em direcção aos gestos, ou melhor, até à mais ampla linguagem de um corpo – a tal que muitas vezes nos desarma de palavras que a expliquem ou justifiquem. mais do que noutras alturas a expressão da laurie anderson, sobre a linguagem ser um vírus, faz sentido. é para aí, com mais ou menos divergência, que a concentração do espectador também se dirige. os gestos que vemos, mesmo se ensaiados a frio diante da câmara de filmar, não se transformam em caricaturas, nem tampouco resultam de uma pesquisa estética com uma finalidade coreográfica. são sinais de diferente intensidade e acompanham os momentos de maior ou menor inscrição que conseguimos ler nestas imagens silenciadas.

quanto é que nessa situação se produz de apagamento ou enriquecimento do próprio, como somos moldados pelo uso da palavra foram para mim ideias levantadas por este projecto. outras questões surgiram necessariamente, tais como pensar sobre quais as condições de representação inscritas no indivíduo; na comunicação deste com outros; o que estrutura e separa uma conversa, de uma entrevista, confissão, discussão, etc.

tirando partido do nosso instinto de interpelar, e face à nossa relutância perante um duelo que não aposta nas armas habituais e por isso pode conduzir-nos ao alheamento em relação a toda a proposta, foi sugerido no início da sessão que cada espectador registasse numa folha as impressões sobre as imagens ou diálogos possíveis para as mesmas. para mim, foi a parte menos conseguida de um projecto que se lançou muito bem numa direcção difícil, a contrastar com a conversa espontânea surgida no final, essa sim verdadeiramente reveladora sobre a motivação do público - e o que este trabalho conseguiu inscrever nele.

16 maio 2006

agenda para 18, 19, 20 e 21 de maio

oil, de antónio lago

depois de um fim de semana com bastantes propostas, segue-se um outro... com bastantes propostas. já na próxima quinta-feira, dia 18, antónio lago é o artista que se segue no apêndice. o projecto chama-se oil, e a inauguração é às 19 horas. no dia seguinte arranca um 'super fantastic art show': a galinha da vizinha é melhor que a minha. esta exposição vai ocupar os espaços pêssegoprásemana na sexta-feira 19 às 22h; espaço 555, no sábado 20, pelas 20h; e finalmente no domingo dia 21 pelas 18h, a inauguração final é no clap, que fica na rua das flores, 139.
aproveitando para vender o meu peixe, no próximo dia 25, quinta-feira, a festa faz-se em lisboa, na rua dos caetanos, 26 (bairro alto, nem de propósito). o motivo é a abertura do novo espaço da galeria graça brandão, em lisboa, com a primeira parte da exposição constelações afectivas II, colectiva de artistas representados por esta galeria. espera-se enchente e bom tempo. o bónus é que dá para aproveitar a proximidade com a zé dos bois para ver as novas exposições de dois pintores preferidos cá da casa: fall, de pedro amaral e under the stars, de antónio olaio. estas exposições podem ser visitadas de quarta a sábado, entre as 19 e as 23 horas. a entrada é a 1 euro.
para daqui a pouco tempo fica já agendado um texto sobre a vídeo-performance obrigado pela conversa, da carla filipe, apresentada no passado fim-de-semana.

10 maio 2006

agenda para 12 e 13 de maio

obrigado pela conversa, de carla filipe

na sexta feira passada inaugurou no porto o projecto apêndice, com a proposta da prata cá da casa - isabel ribeiro - que apresenta desligado. a isabel e a carla filipe são as responsáveis pela programação deste novo espaço, que para já tem completa a sua primeira fase de programação. assim, seguem-se as propostas de antónio lago (dia 18 de maio), susana chiocca (dia 30), carla filipe (12 de junho), marco mendes (24 de junho), miguel carneiro (7 de julho) e para encerrar o primeiro bloco a isabel carvalho (20 de julho). este novo espaço funciona no centro comercial de cedofeita, loja 100, no piso de baixo (experimentem os snacks e refeições nos peixinhos da horta, um café situado no mesmo piso).

recordo que trabalhos da isabel carvalho podem ser vistos na exposição individual yes I am no I'm not, no espaço Q2 da galeria quadrado azul , até 27 deste mês. como vale mesmo a pena a visita, se a porta estiver fechada peçam a chave no espaço principal. aproveitem para protestar junto de quem vos receber o facto de nem sempre os espaços Q2 e Q3 estarem de portas abertas, o que traduz uma atitude muito pouco profissional por parte da galeria...

nesta sexta feira, dia 12, e também no sábado dia 13, apresenta-se n' a sala uma vídeo-performance da carla filipe. o título deste projecto é bastante promissor: obrigado pela conversa. sempre às 19 horas. para os distraídos, a sala fica na rua do bonjardim nº253 2º andar, no porto.

também na sexta feira inaugura em famalicão o projecto i.m.a.n. , que conta com a participação, entre outros, de eduardo matos.

continuando pelo porto no sábado a proposta é de andré guedes no mad woman in the attic. a inauguração é às 16h, e o projecto intitula-se olimpo. falhando o sábado, podem sempre marcar uma visita até dia 4 de junho.
e pronto!, parece que o fim de semana está cheio de atractivos para exercitar o sentido crítico, até porque as propostas destes autores são sempre boa matéria-prima. aproveitem.

06 maio 2006

Desenho diário


Este artista holandês publica no seu site
um desenho por dia.
São imagens melancólicas, tiradas de publicações anteriores á sua data de nascimento: 1965, em grafite sobre papel de pequenas dimensões.
A visitar!